1/31/11

Do suor do amor.

Não fraquejei.
Escorri feito leite fervido esquecido ao fogo. Quente.
Arranquei qualquer suspiro feito ar rarefeito. Leve.
Fiz-me gota densa e segura, capaz de correr, capaz de voltar a ser.
Tudo pelo desenho limpo e branco do corpo.
Na cama, dona da estampa de cada gesto ou cada parte em repouso, dona dos suspiros e gargalhadas, dona do carinho e da depravação. 
Na cama, palco do teatro mais confuso, da entrega e da doçura, palco do vendaval e da calmaria.
Na cama, não fraquejei. Escorri.
Eu, o suor do amor.
Abri os olhos.
O quarto ainda estava escuro e o dia já reinava, lá fora, sem sol.
Eu buscava uma frestinha de luz, ensolarada, que me arrancasse com ânimo daquela cama.
A chuva convidava para o mundo do sonho, do despropósito, do descompromisso.
Fechei os olhos.

1/27/11

CARTA

Uma semana...
E ela lá, sentada na calçada, a espera da carta.
Cada homem de amarelo que surgia
era alvo de um sorriso branco.

Um ano depois...
A menina? A espera da carta?
Que nada!
Na barriga, o filho de um carteiro.
Na alma, a amarga incerteza dos traidos.

1/21/11

Twelve

21 de janeiro de 1999.

Lá vens correndo.
Sempre apressada.
Inquestionavelmente linda.
E sempre apressada.

Deixe ao menos que eu deguste cada instante.
E que recorte cada aresta.
Do teu cavalgar incessante.
De um segundo da tua festa.

Humildemente, aqui eu peço:

- Dona Vida, corras mais devagar!


(Dedico a minha filha Isa, em seu aniversário de 12 anos)



1/19/11

Chuvarada.

Pode parecer hipocrisia mas o sabor de um dia de chuva, como o de hoje, não tem sido agradável há muito tempo.
Lembro-me, com riqueza de detalhes, das chuvaradas de minha infância! Aquilo sim eram chuvas felizes! Os trovões e relâmpagos, extensos e sequenciados, causavam em mim aquilo que defino hoje como sendo um medo encantado, um medo sentido muito mais pelo encanto do que pela tormenta. Ninguém em casa podia ficar descalço ou ao telefone ou perto de espelhos.
Sempre surgia, da cozinha de nossa mãe (Em casa que tem muito filho se aprende a usar sempre o pronome na terceira pessoa), alguma comidinha especial para esquentar o corpo e a alma, para aquietar as pequenas feras, famintas de comida e brincadeira!
A infância invernosa passava repleta de fantasias molhadas, travessuras nas cobertas, pai, mãe e irmãos em casa. Eu sentia medo da dona tempestade e suas bruxas trovoadas, mas o sentimento de proteção acobertava tudo e a água caindo do céu era comemorada.
Na adolescência, o fato de não ter o bronzeado de fim de semana presenteado por um sol amarelo me deixava entristecida, mas nada que um guarda-chuva até uma sessão de cinema com pipoca não resolvesse ou mesmo um simples telefonema saudoso do namorado (Sim! Na adolescência o mito de que telefonema em dia de chuva era proibido caiu por terra!). E tem mais: os banhos de piscina ou no caldeirão (O lindo açude de nossa Piripiri) ficavam divertidíssimos em dias cinzentos.
Aí eu cresci! E junto comigo cresciam as outras criaturas e suas ganâncias!
Nosso planetinha? Hã!? Pobre Terra! Veio ficando pequenina diante da inacreditável dimensão dos sonhos e devaneios econômicos dos seres humanos. Tanta coisa foi e vem sendo feita em prol de alguns poucos que uma ruma de outros alguns sofre e sofre e sofre mais a cada dia. Aí a chuva deixou de ter o lado encantado, ficou só o medo.
Quando estou em casa e começa a se preparar um céu fechado, vestindo roupa de noite e colocando o sol pra dormir mais cedo, eu ainda resgato aquele sentimento gostoso dos dias de minha infância. Chego a ver meus pais fechando portas e janelas pra garantir nossa segurança. Mas logo percebo que a conversa é outra.
A chuvarada invade meus sonhos com a mesma força das águas nas casinhas alheias. Percebo que mais gente, muito mais gente do que eu imagino ou do que possam noticiar os jornais, não têm um lugarzinho confortável, um cobertor seco ou mesmo um caneco com leite morno. E que muitas outras são levadas pela força das águas e morrem na lama, sem rosto, sem memória, sem amor. E o mundo fica feio depois da chuva. E quando penso que o sol vai alegrar o dia seguinte, vem mais água pra levar mais gente.
Resta a mim fazer dos dias de chuva de minhas filhas, dias de medo encantado! Dias de comidinhas especiais! Dias de pai, mãe e filhos em casa! Dias de travessuras nas cobertas!
Quando chove forte, fecho as portas e as janelas de casa, assim como aprendi com meus pais, só não quero fechar os olhos.

1/18/11

Imagem da imagem.

Ela era assim
Uma mulher
Sem rosto
Ou alma

Ela era assim
Uma santa
Sem corpo
Ou desejo

Ela era assim
De carne
E osso

"Abençoados os que esquecem, porque aproveitam até mesmo seus equivocos"- Nietzsche