5/30/05

O comprador de livros.

Quanto mais seus dias passavam mais lhe crescia o fascínio pelo mundo das palavras. Uma porta que se abrisse era suficiente para voltar o pensamento às páginas brancas ou amarelas ou de qualquer cor do mundo, contanto que escritas, cheias e entupidas pelas detentoras de tudo na vida dele. Seria um absurdo a ausência das letras entrelaçadas, coaguladas em despropósito, irritantemente transparentes na vastidão dos significados que ele dava a cada uma. Gostava tanto tanto tanto das letras porque eram o desmembramento das palavras, mas gostava tanto tanto que talvez a primeira palavra que lhe saltou da boca na primeira infância foi a palavra ‘palavra’. Sua paixão ganhou forma e encadernação. Livro. Quanto mais comprava mais comprava. Não comprava pela cor ou cheiro, nem mesmo pela maciez do toque ou espessura, muito menos pela beleza que aquele espanto lhe causava nos olhos toda vez que observava em contemplação mórbida a estante repleta deles, em todas as formas e tamanhos, comprava pelas palavras, todas elas ali juntas em diversão de espírito que faziam dele, orgulhosamente, um comprador de livros. Comprou tantos que se fez um. Virou livro, capa e contracapa, adorno de sonho, reversão do desenho na vermelhidão, palavra e palavra e palavra. Palavra interminável e imortal, sem fim, alucinação. O zelo reluzia uma a uma, escolhidas a dedo para encher as páginas. Imagina-se, até aqui, como seriam os beijos de um comprador de livros. Sim. Beijo. Talvez tenha sido essa a palavra que ele menos escreveu, ele o fez.

2 comments:

Virginia Munhoz said...

"Sua paixão ganhou forma e encadernação..."
Que bonito isso minha Princesa Peres.

Briza said...

Eita...
=)


"Abençoados os que esquecem, porque aproveitam até mesmo seus equivocos"- Nietzsche